Mulheres e suas culpas

31 de Março de 2021

Se tem um sentimento que quase todas as mulheres carregam e muitas vezes não se dão conta é a culpa. A sensação é de que estamos sempre devendo alguma coisa sabe-se lá para quem ou para quê. Talvez para o Universo...

Se buscarmos informações recentes sobre o feminicídio infantil na Índia, por exemplo, entenderemos de onde vem parte dessa culpa que carregamos pelo simples fato de nascermos mulheres. De acordo com a matéria do site Sempre Família, “um estudo divulgado pelo governo da Índia, baseado em projeções do Banco Mundial, é provável que daqui a 14 anos a proporção entre homens e mulheres entre 15 e 34 anos no país seja de 898 mulheres para cada 1000 homens. Trata-se de um número preocupante e que, segundo a ONG norte-americana Invisible Girl , tem uma explicação bem clara: diariamente 13,5 mil meninas indianas morrem antes mesmo de nascer, através do aborto.”

Essa preferência por filhos meninos não acontece apenas na Índia, mas em alguns outros países da Ásia como China, Coréia do Sul, Paquistão e Japão.

A culpa ancestral

É como se ao nascer mulher não agradássemos à sociedade patriarcal e, consequentemente, aos nossos pais, que inseridos nela, enxergam a desvantagem que trazemos apenas pelo fato de sermos do sexo feminino.

E assim carregamos a “culpa ancestral” da mãe que não teve a capacidade de gerar um filho homem, da filha mulher que, desde a gestação, sente a rejeição por não ser desejada, e quando nasce sente a culpa por não ter atendido às expectativas de seus pais e da sociedade.
Nesse contexto, por mais que já tenhamos conquistado muito espaço e poder de fala na sociedade, ainda vivemos com a sombra da culpa nos atormentando.

A culpa por não darmos conta de todas as tarefas que sobrecarregam nossas rotinas, a culpa por não fazer tudo de forma impecável, a culpa pelas escolhas, que nos levam a renunciar a parte do tempo que dedicamos aos filhos e nós mesmas, a culpa por não atender às expectativas da família, da escola, da empresa, da sociedade e por aí vai.

A mulher integral

Os papéis que exercemos na sociedade nos levam, muitas vezes, a nos fragmentar como mulher. Mudamos de comportamento de acordo com o papel que exercemos. Ouvimos expressões como “vida pessoal” e “vida profissional”; “vida de mãe”; “vida de casada”, “vida de solteira”, dentre outras o tempo todo. Quanto mais fragmentada a nossa vida, mais distantes ficamos da nossa verdadeira essência e mais desconectadas estaremos do nosso propósito.

É preciso parar, respirar, sentir, conectar e perceber que muito além de todos esses papeis somos seres humanos com um potencial imenso de transformar a nossa realidade e de realizar o que quisermos em nossas vidas.

Retirando as camadas que nos encobrem

Ao longo da vida criamos muitas camadas para que possamos exercer todos os papéis aos quais somos requisitadas pela sociedade. São muitos: o de filha, o de irmã, o de amiga, o de aluna, o de esposa, o de mãe, o de profissional, o de empresária, o de dona de casa e junto com todos esses, o de mulher.
E no exercício desses papéis somos cobradas e nos cobramos o tempo todo uma performance impecável. E é nesse contexto que surge a culpa por não conseguirmos atender às expectativas dos outros e às nossas próprias.

E o que o sentimento de culpa nos traz de benefícios? Segundo a pesquisadora Brené Brown, no livro “A Coragem de ser Imperfeito”, a culpa é considerada saudável quando nos move em direção a pensamentos e comportamentos positivos.

Mas de que forma podemos transformar a culpa em algo positivo? Como podemos usá-la a nosso favor? Para realizarmos qualquer mudança ou transformação em nossas vidas é sempre necessário, em primeiro lugar, olhar para dentro e acolher nossos sentimentos, sejam eles quais forem, sem julgamentos sobre o que é bom ou ruim. Sentir a culpa e não fazer nada com ela, vai apenas nos paralisar.

É preciso aceitar que não somos e nem seremos perfeitas, que não daremos conta de todas as coisas que esperam de nós e que muitas vezes não são as mesmas que queremos viver. Precisamos entender o poder da vulnerabilidade, que nos relembra nossa condição de seres humanos falíveis e reais e nos conecta com outros olhares, que mesmo que sejam diferentes, se assemelham em humanidade.

Fazer o caminho para dentro, conhecer nossa verdadeira essência, saber o que faz sentido para nós e tomar as rédeas das nossas vidas são movimentos que somente o autoconhecimento pode proporcionar. E a partir daí, conseguiremos fazer escolhas com liberdade e responsabilidade, entendendo que aquela culpa que carregamos por tanto tempo vai perdendo lugar e abrindo espaço para uma nova vida mais leve e mais fluida.