A perda de identidade em relacionamentos

31 de Agosto de 2022

No filme “A noiva em fuga” de 1999, a atriz Julia Roberts faz uma personagem de uma mulher que se “adapta” ao namorado que ela esteja se relacionando. Se ele gosta de ovo estrelado, ela pede o dela estrelado, se o outro gosta de mexido, ela passa a pedir mexido. Ou seja, ela se mistura a ele de tal forma que perde sua identidade ao ponto de não sustentar o que deseja.

No início de uma relação, é muito comum querermos impressionar e, portanto, agradar a pessoa com quem estamos nos envolvendo. É um movimento natural quando nos encantamos. Tendemos a apresentar a nossa melhor versão, querer estar sempre junto, criar assuntos e atividades em comum.

Aos poucos, à medida que a relação continua, também é natural que o encantamento que nos cega se reduza, fazendo com que notemos a outra pessoa de uma maneira mais crítica. Independentemente do encantamento, o que vemos no outro é um reflexo de nós mesmos. Mas esse assunto já abordei em outro artigo, aqui no blog, sobre relacionamentos. Nesse, quero trazer a importância do autoconhecimento na sua vida para que você possa identificar quando perdeu sua identidade em outra pessoa ou se a está perdendo nesse momento da sua vida.

Quando você se perde em outra pessoa, você deixa de lado partes fundamentais do seu ser. Deixar de lado essas partes importantes de si cria uma tensão interna, pois você não se sente com permissão para ser quem é. Isso tudo dificilmente aconteceria, se desde o início do relacionamento você fosse uma pessoa com um bom nível de autoaceitacao. Ou seja, que não se importasse de mostrar o que você não considera “bonito” em você. O que, aliás, pode se tratar unicamente de uma crença negativa sua.

Perder a sua versão verdadeira em um relacionamento costuma apresentar muitos efeitos colaterais como submissão, ansiedade, ressentimento e agressividade. O que pode atrapalhar a forma como você se expressa ou se conecta com a outra pessoa, inclusive, culpabilizando-a por isso.

Relacionamentos construtivos são baseados em pessoas que podem ser elas mesmas, respeitando os limites uma da outra. Portanto, se você se sente ambivalente, frustrada(o), triste, com raiva ou ressentimento, dentro de uma relação, seja ela amorosa, profissional, de amizade ou social, é sinal de que você precisa se autoconhecer e entender o que te impede de ser quem você é na sua essência na relação. Iniciar uma psicoterapia pode ser fundamental.

Vamos a alguns exemplos. Quando a pessoa com quem se relaciona discorda de você, pode vir a sensação de não validação e você acabar cedendo e deixando de lado sua própria identidade. Para muitos casais, pode ser difícil se expressar e criar uma conversa mais séria. Mas é preciso lembrar que há sempre a possibilidade de conversas generosas. Se você não se sente capaz, pode aprender, sabia? Eu mesma faço esse trabalho. Mais importante ainda é saber que a sua essência independente de qual relação você estiver, não te abandona. Ela pode estar encolhida, mas está aí. O medo de confrontar te afasta dos limites que são importantes serem colocados na mesa para se manter uma relação equilibrada.

Mulheres normalmente tendem a se perder em relacionamentos, por uma questão cultural. Desde muito cedo somos esperadas a relevar quem somos, de maneiras imperceptíveis, até nos perdemos completamente. Após um término de relacionamento, isso pode ser devastador, pois esquecemos de quem éramos antes dessa relação.

A verdadeira intimidade não é possível quando um dos dois não se sente seguro. Evitar a vulnerabilidade que acontece quando nos abrimos e mostramos quem realmente somos, é uma forma que achamos para nos proteger e manter tudo sob “controle”. Isso acontece por medo de nos tornarmos mais dependentes de nossos parceiros, de sermos julgadas e magoadas. Mas esse é um tiro que sai pela culatra. Nós nos perdemos aos poucos.

O ato de se apaixonar, por exemplo, libera toxinas no nosso cérebro onde nos sentimos completos e felizes. À medida que os relacionamentos continuam, e essa paixão inicial perde intensidade, começamos a relembrar a nossa essência e o que nos deixava feliz. Nossa necessidade por conexão pode criar uma espécie de negação quando se trata de nós mesmos. Os limites se tornam difíceis de ver e nós acabamos aceitando uma realidade que não aceitaríamos em condições normais.

Se os nossos parceiros são abusivos, nós nos questionamos. Não dizemos não ou deixamos de colocar nossos limites. Não apenas isso, mas também acontece uma confusão entre o que o nosso parceiro sente e o que nós mesmos sentimos. Achamos que somos responsáveis pelos sentimentos deles, especialmente quando nos sentimos culpados por tal. Se estão tristes, então nós também ficamos. Se estão desapontados ou bravos, então deve ser nossa culpa. Não é uma confusão?

Quando você está confusa(o) em relação ao que sente, aos seus valores e opiniões, isso se torna mais evidente num relacionamento. É o que te faz deixar de lado seus hobbies, interesses, amigos e algumas vezes até relações familiares para estar com a pessoa. O que pode parecer inofensivo no começo da relação, acaba se tornando uma bola de neve à medida que o tempo passa.

Relações saudáveis são interdependentes. Existe o dar, mas também o receber. O respeito pelas necessidades dos outros assim como seus desejos são tão importantes como os seus próprios. A comunicação funciona e existe espaço para uma confrontação na medida certa. As negociações não são um jogo de vencedores e perdedores, é o casal contra o problema e não um contra o outro.

Limites são expressos cuidadosamente, sem manipulação ou sem assumir que o outro é adivinho. A vulnerabilidade nos faz mais fortes, mais íntimos e respeitados. Os dois se sentem seguros, e sabem que apesar de estarem juntos, cada um tem sua independência. Os relacionamentos devem ser uma fonte de coragem para expormos nossos talentos e necessidades.

Estando ou não em um relacionamento abusivo, é normal sentir-se perdido. E isso não quer dizer que tudo está perdido. Para mudar essa realidade, é preciso primeiro entender que a mudança deve acontecer em você e não no seu parceiro. E que, de brinde, pode ser que ele(a) mude também, mas isso não é uma garantia. Portanto, reconecte-se e, depois, me conte as boas notícias em sua vida.