Ego: nem vilão, nem mocinho

28 de Outubro de 2021

O ego não tem uma boa fama no senso comum, não é? A gente costuma ouvir coisas como “o ego dela é inflado” ou ‘ela é puro ego”, o que nos leva a imaginar que é algo ruim. Além disso, o ego é muito confundido com vaidade. Mas, como diz a professora e filósofa Lucia Helena Galvão, ‘ego é só o teu pequeno “eu”, que não necessariamente é vaidoso.”

Mas, você sabe o que é ego?

Na psicologia, o ego se refere ao “eu”, ou seja, ao centro da pessoa. Na abordagem psicanalítica, Freud criou os conceitos de id, ego e superego para explicar o funcionamento da mente humana.

É importante que você entenda o funcionamento dessa estrutura para que possa enxergar o ego sob uma perspectiva mais profunda e complexa.

Id, ego e superego

Sob a visão da psicanálise, o id é a parte da mente que é movida pela busca do prazer, responsável por atender aos seus desejos e suas necessidades. Sabe aquela vontade de sair comprando tudo o que vê pela frente sem ter o dinheiro suficiente para isso? Então, é seu id em ação.

E é aí que entra a ação do ego. O ego, diferente do id, se baseia no princípio da realidade. Ele faz o papel de mediador entre as impulsividades do id e o contexto externo. Ou seja, o ego é o responsável por nos lapidar para podermos viver em sociedade. O ego pode ser considerado o “eu”, que é a forma como os indivíduos adequam suas vontades às realidades em que vivem. É como eles se apresentam para o mundo, como se mostram para as outras pessoas. Podemos dizer que o ego é a nossa personalidade.

E o superego, você sabe o que é? Essa é a instância guiada pelo que podemos chamar de “princípio do dever”. O superego está ligado às regras de conduta que nos foram ensinadas e aos valores da sociedade. Ele pode ser comparado a um juiz, que barra o que não está de acordo com as regras e com os valores. Diferente do ego, que tenta encontrar uma saída razoável para o desejo do id, o superego barra esse desejo. O ego, ao censurar, está preocupado com a consequência da ação. O superego censura por motivos morais. Entende a diferença e a importância de cada um?

A dualidade do Ego

O ego é como se fosse uma linha que divide o que somos (com todos os desejos e vontades) e o que devemos ser perante a sociedade. E como ele está baseado no princípio da realidade, que é construído pela sociedade, é possível entender de onde vem a dualidade do ego, que para se adequar precisa encaixar as nossas ações em “boas ou ruins”, “bonitas ou feias”, “certas ou erradas”, “adequadas ou inadequadas”, por exemplo.

É a partir desses julgamentos que nascem os preconceitos com os que são diferentes de nós e a aceitação com o que são iguais.

Egocentrismo e egoísmo: você conhece a diferença?

Segundo Lucia Helena Galvão, o egocentrismo é você se tomar como centro para poder conhecer o mundo. A mente necessita disso. Eu preciso me colocar como referência para conhecer as coisas. Ou seja, quando eu digo que uma cadeira é pequena, digo isso em relação a mim. Eu me tomo como centro para medir as coisas.

Mas, quando essa convenção se transforma em uma realidade e eu me sinto realmente o centro, já estamos falando do egoísmo. Nesse caso, o universo passa a girar à minha volta e eu considero que as coisas são boas quando me interessam e ruins quando não me interessam.

A síndrome do(a) impostor(a) e o ego

Um artigo publicado no International Journal of Behavioral Science, traz que aproximadamente 70% das pessoas passam pelo sentimento de impostores em algum momento da vida.

Você já deve ter ouvido falar da síndrome do(a) impostor(a), não é? Mas talvez não tenha parado para entender como ela surge e de que forma o seu ego pode ter influência sobre ela.

A síndrome do(a) impostor(a) é um comportamento que leva às pessoas a se autossabotarem por colocarem em xeque as suas habilidades e suas capacidades. Ela envolve uma gama de sentimentos vindos da baixa autoestima e insegurança. Costuma aparecer, principalmente, quando saímos da nossa zona de conforto para realizarmos algo diferente, que nos desafia. Sabe aquela voz que fica dizendo “você não sabe o suficiente para realizar esse trabalho”, “você precisa estudar mais para começar a atuar nesse mercado”, “quem é você para dar uma palestra sobre esse assunto?”. E por aí vai... Essa voz interna, além da frustração, pode gerar depressão, ansiedade, procrastinação e até mesmo a síndrome de burnout, entre outros sintomas.

E onde o ego entra nessa ladainha toda? Como já falamos, o ego é a forma como você se mostra para o mundo, ou seja, é a sua personalidade. E como essa personalidade é estruturada? Com base no que você aprende e vive, principalmente, ao logo da infância e da adolescência. São os valores e a crenças que você desenvolve, com base no que aprende em relação ao comportamento ideal para se viver em sociedade. E como é o ego que administra seus desejos e impulsos, muitas vezes tende a ficar mais próximo do superego, que faz o papel da censura. E dessa forma, faz você se sentir inseguro para realizar a ação guiada pelo seu desejo.

Nesse processo surgem algumas crenças, como as de incapacidade, por exemplo, que te levam a duvidar do seu potencial e da sua capacidade de realizar o que tem vontade.

O ego como seu aliado

Para que o ego trabalhe a seu favor é necessário que você seja o condutor da sua vida. Se você permitir que ele te guie é bem provável que muitos dos seus sonhos e dos seus desejos fiquem pelo meio do caminho e, por isso, você deixe de realizar a sua arte no mundo.

Mas, para que você seja capaz de identificar em que momento faz sentido seguir as orientações do ego e em que momento é preciso permitir que o id entre em ação, é necessário que você se conheça muito bem.

Só o autoconhecimento é capaz de trazer a clareza necessária para que você não se deixe levar pelas crenças e pela opinião dos outros. O autoconhecimento te ajuda a ter uma relação de equilíbrio com as três instâncias – o id, o ego e o superego –, pois ele te permite identificar e compreender melhor suas emoções para que, através da inteligência emocional, possa administrá-las. E então, se sentir segura (o) e autoconfiante para seguir seus reais desejos.

Como o ego enxerga as situações sob a perspectiva da dualidade, é natural que ele te coloque acima ou abaixo das outras pessoas. Por isso, é fundamental que você esteja sempre conectado, ou buscando a conexão, com as suas emoções, para não se deixar levar pelo falatório do ego diante de alguma situação.

Eu ouvi esses dias, em um podcast sobre ego, a metáfora do livro, que fez muito sentido para mim. Por mais que um livro seja best seller , ainda assim ele pode ser o livro ruim na prateleira de alguém. Isso nos iguala em nossa humanidade. E isso nos mostra que a grande humildade está em perceber que mesmo que você dedique boa parte da sua vida a um determinado projeto, ainda assim, ele pode ser rejeitado por alguém. Faz sentido pra você também?